quarta-feira, 28 de julho de 2010

O abraço que eu não mandei

“É tão estranho.
Os bons morrem jovens.
Assim parece ser
Quando me lembro de você
Que acabou indo embora
Cedo demais.”¹

Não era alguém tão próximo assim, mas era alguém que mês passado estava conversando comigo na calçada, tão viril. Via-o esporadicamente, mas cultiva grande admiração. Não é aquela história de ‘ depois de morto, todo mundo vira santo’, é que eu sempre procuro ver o maior expoente de cada um. Na nossa última oportunidade juntos ele me fez um pedido: Manda um abraço pro teu irmão! Esqueci de mandar o recado, pois imaginava que, em breve, ele mesmo poderia dar esse abraço. O breve não chegou.
Foi uma perda difícil de ser percebida, mas quando notificada me causou grande estupor e tristeza. Essas coisas nos fazem pensar sobre como a vida é um cristal frágil, como cada oportunidade pode ser única, como cada abraço pode ser o último. E não importa quanto mais robusto, jovem, saudável a pessoa possa parecer, ninguém sabe a hora que ela pode dizer adeus a nossa vida.
Se ele ainda estivesse entre nós agora, pediria para não ficarmos tristes.
Desculpas, querido, alegres não dá para ficar.
Ele deixou uma mulher e filha lindas.
Ele deixou alunos sedentos.
Ele deixou saudades.

“Diante da morte a humanidade, perplexa, fica repetindo as mesmas eternas considerações, já tão gastas, porque nada de novo se pode realmente acrescentar.” ²



¹- Love in the afternoon, Renato Russo.
²- Menino Valdir, Milton Dias

terça-feira, 20 de julho de 2010

Hoje II

Hoje, acordei com um ar meio Zeca Baleiro, com uma vontade danada de mandar flores ao delegado... Acordei com uma vontade de vasculhar as gavetas, trocar os móveis de lugar, começar tudo do zero. Desisti depois dos primeiros espirros, após mexer nas velharias. Pude achar ainda umas cartas. Nelas, declarações de coisas que julgava que seriam eternas. Um bom exemplo disso é o dia de hoje, dia do amigo, em que não pude ver minhas amigas. Prometi por mil vezes que pelo menos nas datas importantes nos veríamos. Não pude evitar as mudanças na minha rotina: o imprevisto, o possível estágio, o trabalho de sociologia que adiei pela trigésima sétima vez... (ao invés do delegado, acho que vou mandar flores para a professora) E o tempo, meu escasso e mal dividido tempo, não me permitiu cumprir essa promessa.
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, mudam-se o ser. Todo mundo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades¹ (não necessariamente qualidades).
Juro que não queria ter esses trabalhos chatos, esses horários, essa dinâmica contraditoriamente parada, monótona. Por isso acordei com uma vontade louca de mudar. Comecei pelo lado errado, porque mudar meu quarto de lugar não significa deixar de acordar às seis da manhã, ou fugir de lavar o banheiro aos sábados, isso também não me permitiria ver quem eu gosto exatamente quando eu quero. Mas como mudar? Como fazer revolução na minha vida? Posso até encontrar resposta nas minhas vãs filosofias que vendo com tanto apreço. Dizem que o micro está no macro e vice versa, então... Começarei pelo meu quarto.

¹- Made in Camões.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Chave

Talvez a culpa não seja só minha.
Talvez seja. Já nem ligo.
No começo é o cheiro, o gosto, o som.
Depois se sente um perfume vagabundo, volátil.
O gosto insosso.
A minha melodia já nem combina com o tom da tua voz.
E depois me pergunto como posso ter errado tanto.
Aí paro. Olho em volta. Escuto-te.
Penso quão pequena é minha visão.
Delimito o céu.
Tão amplo e, ao mesmo tempo, tão pequeno em relação e as minhas e as tuas projeções.
Talvez se eu fosse mais condescendente.
Se eu fosse mais rigoroso...
Talvez se eu não tivesse começado.
Não, eu não poderia ter mudado tudo, não sozinho...
Olho para trás...
Já tem meio caminho andado.
Uma estradinha torta à direita
Em frente, a continuação do meu percurso, que vai se estreitando.
Voltar. Não, isso é impossível.
Sentar e chorar?
Chorei a tarde inteira, por tudo que ainda não vi.
Fecho os olhos e sigo o vento.
Deixo minha sorte entregue ao acaso.
Talvez a culpa não seja só minha...

“ É como se tivesse em minhas mãos as chaves da ventura
E um incerto destino desditado...”
¹

1-Pablo Neruda.Presente de um poeta. Tradução Tiago de Mello.